Sobre Sinapses e Aprendizagem

É muito provável que os leitores que estão acompanhando o blog Sinapse-Aprender tenham diferentes níveis de conhecimento em neurociências. Alguns podem ter cursado disciplinas de neuroanatomia e neurofisiologia na graduação e/ou pós-graduação, enquanto tiveram contato com o Sistema Nervoso apenas no Ensino Médio ou, ainda, alguns podem ter expandido os conhecimentos em neurociências como autodidatas. Por isso, o texto de hoje busca explorar melhor o conceito de sinapses e o que elas têm a ver com aprendizagem. Afinal, o que são as sinapses? Como ocorrem e quais são suas funções?

Antes de falar delas, vamos relembrar sobre os neurônios. Neurônios são as principais unidades funcionais do Sistema Nervoso, pois são responsáveis pela transmissão de impulsos nervosos. São células constituídas de um corpo celular, um núcleo celular, e 2 tipos de extensões: dendritos (receptores de mensagens conectados ao corpo celular) e axônios (prolongamentos que transmitem informações eletroquímicas). Os neurônios foram visualizados pela primeira vez pelo cientista italiano Camilo Golgi, que desenvolveu uma técnica de coloração que foi melhor explorada posteriormente pelo anatomista espanhol Ramon y Cajal. A seguir, você pode observar uma imagem produzida por Ramon y Cajal e uma figura com as estruturas de um neurônio.

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Os neurônios podem ser classificados segundo sua função em três tipos: sensoriais, motores e interneurônios. Neurônios sensoriais (também chamados aferentes) conduzem informações dos nervos periféricos em direção ao Sistema Nervosos Central (SNC). Neurônios motores (chamados de eferentes) conduzem informações do SNC em direção à periferia. Por fim, os interneurônios são neurônios que se conectam neurônios sensoriais e motores e possuem função integradora, sendo localizados na medula espinal. Os neurônios também são classificados quanto aos prolongamentos do corpo celular, sendo multipolares (com vários dendritos e um axônio), bipolares (com um prolongamento axônio e um dendrito) e pseudo-unipolares (com um único prolongamento que é axônio em uma extremidade e dendrito em outra).

Uma sinapse é um espaço de junção especializada no qual ocorre a comunicação entre dois neurônios. É através da sinapse que o potencial de ação (impulso elétrico que leva uma informação) é transmitido. O disparo do impulso elétrico de um neurônio influencia a atividade dos que estão conectados pelas sinapses. A célula nervosa que transmite o sinal é chamada se célula pré-sináptica, enquanto que a célula que recebe o sinal é um neurônio pós-sináptico. É importante ressaltar que não ocorre contato físico entre os neurônios, pois a transmissão de impulsos elétricos se dá via junções comunicantes (nas sinapses elétricas) e via fendas sinápticas (nas sinapses químicas). Veja abaixo uma representação das sinapses elétricas e químicas:

sinapses

Nas sinapses elétricas o trânsito de íons por junções especializadas entre as células permite a passagem do potencial de ação de uma célula para outra. A rapidez na transmissão do impulso elétrico entre os neurônios é muito grande, sendo ideal para comportamentos que exigem rapidez de resposta. São mais encontradas em neurônios do tronco encefálico (para controle do ritmo da respiração, secreção de hormônios na corrente sanguínea) e também estão em abundância nos músculos cardíacos e lisos.

Sinapses químicas são aquelas nas quais o potencial de ação é transmitido através de proteínas chamadas de neurotransmissores. Os neurotransmissores saem da célula, caem na fenda sináptica e interagem com a célula pós-sináptica, que capta os neurotransmissores por meio de receptores. Esse tipo de sinapse é mais frequentemente encontrada em todo o sistema nervoso. As sinapses também podem ser classificadas em excitatórias (nas quais a membrana pós-sináptica é despolarizada) ou inibitórias (que causam a hiperpolarização da membrana pós-sináptica).

E agora, o que neurônios e sinapses têm a ver com a aprendizagem¿ Aprender é uma função cognitiva complexa que sempre implica em alterações neurológicas celulares, elétricas e químicas. A formação das sinapses está muito relacionada à capacidade de aprender, pois, em interação com o ambiente, as estruturas do sistema nervoso processam novas informações criando, fortalecendo e também enfraquecendo sinapses. O aperfeiçoamento de uma habilidade conforme treino e memorização, tal como tocar um instrumento ou ler, implica no fortalecimento de algumas sinapses e no aumento da velocidade de processamento e execução. Ao mesmo tempo, se uma habilidade é pouco praticada ou não é treinada ao longo do tempo, as sinapses relacionadas são enfraquecidas e até deixam de existir.

A velocidade da criação de novas sinapses pode nos surpreender. Em 2009, um estudo publicado na famosa revista científica Nature sobre aprendizagem motora em camundongos verificou que, em menos de uma hora após o início do condicionamento, já ocorria uma produção robusta de sinapses no córtex motor dos animais. Os pesquisadores verificaram aumento da formação espinhas dendríticas nos neurônios do córtex motor. As espinhas dendríticas formam sinapses com outras células nervosas de áreas envolvidas na memória motora e nos movimentos dos músculos. Ao mesmo tempo em que foi verificado aumento do número de dendritos, também houve eliminação de dendritos pré-existentes e equilíbrio da densidade dendrítica no processo de plasticidade neuronal. Estes processos de aprendizagem motora, especialmente, podem imprimir memórias permanentes no cérebro e explicam porque quando aprendemos a andar de bicicleta, não perdemos esta habilidade mesmo sem anos de prática.

Porém, para o cérebro, maior quantidade de sinapses não implica necessariamente em melhor aprendizagem. Outro estudo, publicado na revista Neuron, verificou em animais o papel de uma proteína que conecta as sinapses, a SynCAM1. Enquanto um grupo de animais permaneceu com níveis normais da proteína, outro grupo recebeu maiores quantidades da SynCAM1 e consequentemente tiveram número de sinapses aumentado. Quando os grupos foram comparados em tarefas de aprendizagem, observou-se que os animais mostrou sem SynCAM1 tiveram um melhor aprendizado do que os animais com níveis normais da proteína. O excesso desta proteína torna mais difícil a eliminação de conexões ineficazes ou redundantes. Portanto, o fortalecimento das sinapses pode ser mais importante para o aperfeiçoamento de um comportamento do que a criação de novas conexões, que podem lentificar ou enfraquecer o aprendizado.

Nos casos de alterações do desenvolvimento e lesões neurológicas, nos quais determinadas áreas do cérebro encontram-se alteradas, trabalhos de intervenção cognitiva, comportamental, educacional e funcional são essenciais para formar e fortalecer novas redes de sinapses, promovendo consequentemente melhor capacidade de aprendizagem e autonomia. Por isso, vamos procurar sempre exercitar nossas sinapses para aprender e ensinar melhor a nós mesmos e aos que estão ao nosso redor!

 Fontes:

– Kandel, E. (2008). Principles of Neural Science. NY: McGraw Hill.

– Robbins, E.N.; Krupp, A.J.; Arce, K.P.; Ghosh, A.K.; Fogel, A.I.; Boucard, A.; Su¨ dhof, T.C.; Stein, V.; Biederer, T. (2010). SynCAM1 adhesion dynamically regulates synapse number and impacts plasticity and learning. Neuron, 68, 894–906.

– Xu,T.;Yu, X.; Perlik, A.J.; Tobin, W.F.; Zweig, J.A.; Tennant, K.; Jones, T.; Zuo, Y. (2009). Rapid formation and selective stabilization of synapses for enduring motor memories. Nature, 462, 915-919.

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